Cinquenta tons da dor

Cinquenta tons da dor

Creio que muitas pessoas tenham notado o movimento em redes sociais ou outros meios de comunicação a respeito da estréia do 1º filme da trilogia erótica “Cinquenta tons de cinza” de Erika L. James. A escritora britânica, autora do Bestseller erótico que já vendeu mais de 100 milhões de cópias pôde presenciar sua obra transformada em filme pela Universal Studios, arrecadando mais de 500 milhões de dólares e se tornando uma das produções mais vistas no mundo todo.

A partir deste fato o filme passou a receber interpretações inusitadas arrancando gargalhadas de alguns críticos, revolta de outros (motivados pelo retrato da violência contra a mulher) e sérios casos que se tornaram reais, motivados pelas cenas de potencial agressivo.

Inicialmente consideremos o título se distancia um pouco da realidade, que seria mais adequado como “cinquenta sombras de Grey”… Sombras de um jovem milionário que apresenta fortes características sadomasoquistas, mas que ganha um tom de romantismo no filme, o que difere muito da realidade ou mesmo do livro escrito por E.L.James.

Se considerarmos que o desenvolvimento humano se dá na seguinte ordem: “observação, repetição, imitação e a experimentação” permitindo ao ser humano poder situar-se perante si próprio e perante aos outros, acabamos compreendendo a recente publicação do jornal americano “The New York Times” ao informar que o livro teria sido o grande responsável pelo aumento das vendas em 7,5% da indústria de produtos eróticos nos Estados Unidos só em 2013, promovendo atualmente a criação de uma linha de produtos com a marca “50 tons de cinza”.

Temas como este sempre são difíceis de abordar, pois causam espanto e choque moral por não ser considerado “normal”, mas será que podemos realmente assistir a este filme e pensar neste tema de forma simples assim? Se pararmos para refletir nos reais aspectos sociais de um comportamento desviante como o sadomasoquismo, devemos ter em mente que esse transtorno é definido como “perversão” e está intimamente ligado a um tipo de satisfação egoísta através do sofrimento ou humilhação de alguém.

A verdadeira característica da personalidade sadomasoquista não se dá especialmente em âmbito sexual, acompanha inúmeras manifestações sociais encobertas, as quais também podem gerar relações dolorosas a outras pessoas, causando sofrimentos em ambientes diversos como no trabalho, entre amigos, em relacionamentos amorosos, com filhos, enfim, nas diversas situações do cotidiano de um paciente afetado.

O sadomasoquismo provoca uma sensação de poder que confunde “amor com dor” ou “amor e ódio” e a ideia usada no filme não deve ser encarado de forma leve ou apenas como fetiche. Na trama hollywoodiana, a fantasia feminina banhada pela riqueza de um belo rapaz a leva a acreditar que o sentimento de amor possui o poder mágico de transformar um homem amargurado e violento em alguém regenerado… Como se este fosse apenas uma vítima que carrega cicatrizes no coração, aceitando por amor até mesmo este transtorno.

Como o filme acaba razoavelmente bem, pessoas acabam sentindo-se encorajadas a testar alguns passos desta brincadeira de imitação, esquecendo-se de que podem estar incentivando um mal sem volta. Mas o sadomasoquismo ainda possui significado de desmoralização, degradação e até mesmo de crueldade levando em conta a obtenção de prazer através de um sofrimento real, físico ou psicológico a outrem.

Minha intenção não é tornar-me uma crítica de cinema, muito menos critica das opções intimas de casais que buscam sair da rotina, mas sim abrir a percepção de pessoas e alertar em relação às suas escolhas. Saibam que fazer tudo pelo(a) companheiro(a) não é amor, nem prova seu amor e sim uma fixação, que funciona como um furto de identidade que pode tornar-se um grande problema. Posicione-se, pois a vida adulta não nos permite suprir todos nossos desejos e carências, isso é um pensamento fantasioso em busca de atenção total assim como faz uma criança.

Nem sempre aquilo que uma mulher fala e pede ao companheiro traduz o que ela realmente sente e necessita. Mulheres maduras desejam ser notadas, não rastreadas.. Desejam sair da rotina, não privadas de escolhas.. Buscam proteção e não uma jaula… Elas desejam brilho nos olhos e intensidade emocional não necessariamente força como cita Christian Grey no filme.

Um homem de verdade com as características de Grey poderia estar classificado em um nível moderado a alto deste transtorno antissocial e crônico, o qual necessita de tratamento sério e não o toque do amor de uma jovem iludida, pois  relacionamentos não curam patologias, relacionamentos as revelam!

O fato é que psicologicamente nossa mente é construída pelos conceitos existentes no mundo e assim por diante vamos nos ajustando em conformidade com os estímulos vindos de fora. Sim, somos réplicas de ideias, crenças e aprendizados que dão forma a nossos sentidos conscientes e inconscientes, sendo assim, faça suas escolhas de forma consciente, com qualidade e amor próprio.

Autor: 
Estela Cristina Parra

Psicóloga Clínica e Organizacional
CRP: 06/119083

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